O deslocamento das relações de trabalho para o metaverso
O convívio profissional deve ser deslocado, em parte, para a realidade virtual. Torna-se necessário então pensar em como regulamentar a interação de empregados nessa nova rede
Para uma pessoa nascida em uma década em que celular e tablet não existiam, e o uso da internet ainda era extremamente restrito e feito via conexão discada, entender o conceito do metaverso é, sem dúvida, um grande desafio. Colocando de lado todas as questões tecnológicas e operacionais, é difícil imaginar por que as pessoas escolheriam substituir o convívio presencial e real por outro totalmente virtual, inclusive nas relações de trabalho.
Num primeiro momento, acreditei que o uso do metaverso ficaria mais restrito aos jogos e outras atividades que não fossem profissionais. Mas, com o passar do tempo e após as mudanças trazidas pela pandemia da Covid-19, está claro que ele é o próximo passo para o que vivemos hoje com a internet, e permitirá a criação de um novo ambiente de trabalho
Mergulhar no metaverso hoje não exige muito mais do que um computador e um óculos de realidade virtual. E, entendendo melhor a funcionalidade do sistema, parece-me inevitável que daqui a alguns anos o convívio profissional nas mais diversas atividades também seja deslocado, ainda que em parte, para esse universo.
Muitas pessoas já se acostumaram a fazer reuniões utilizando as telas do computador em vez das salas de reunião, e o metaverso oferecerá a possibilidade de um convívio ainda mais realista. Afinal, as reuniões realizadas no ciberespaço hoje contam com cada pessoa em um ambiente separado e diferente, com imagens bidimensionais. Uma reunião no metaverso contará com todos os participantes presentes, ainda que virtualmente, no mesmo espaço tridimensional. Eles terão a possibilidade de interação, incluindo o toque, por meio de luvas que conferem a sensação realista de contato.
Essa nova realidade deve também endereçar parte do sentimento de isolamento e falta de conexão reportados com a mudança para o trabalho remoto às pressas, em resposta à exigência de isolamento social. A modificação da forma de convívio entre os times permitirá uma imersão conjunta das equipes, ampliando a qualidade da sua colaboração e permitindo uma aceleração no desenvolvimento conjunto de projetos. E, assim como a internet, o metaverso deve criar uma gama de profissões e atividades que sequer conseguimos imaginar hoje, ampliando a economia digital.
Quando as relações de trabalho se deslocarem para o metaverso, ele passará a ser uma extensão do que conhecemos hoje como ambiente profissional. É inevitável, então, pensar na necessidade de regulamentação da interação de empregados nessa nova rede. Isso gera uma série de questionamentos, incluindo como cada empregado se apresentará, regras de convivência e mesmo o poder diretivo e de fiscalização do empregador.
Será preciso pensar em questões como a possibilidade de os empregados escolherem avatares diferentes de suas características físicas reais. Afinal, haverá uma infinidade de opções para a criação de identidades que extrapolam os limites do mundo físico de hoje. Mas o uso de um avatar com atributos distintos daqueles visíveis na interação real e pessoal pode permitir que indivíduos se apresentem com identidades diversas das suas. Com isso, um colega pode se apresentar como um superior hierárquico e vice-versa.
Há também a questão de possibilitar o mesmo desempenho profissional para todos, independentemente da questão de gênero. Nesse aspecto, cabe a ressalva de que, historicamente, o uso de equipamentos de realidade virtual, inclusive óculos e luvas, foi predominante no público masculino para jogos. É possível que pessoas que não costumam transitar nesse mundo tenham mais dificuldade de se adequar a ele, em comparação àquelas que já fazem uso da tecnologia há mais tempo.
As empresas também precisarão prever políticas e regras de conduta para seus empregados no metaverso, bem como processos de apuração para eventuais denúncias de problemas na força de trabalho. Afinal, mesmo numa realidade virtual, é possível que haja casos de assédio moral ou sexual, o que pode ser agravado pelo fato de o sistema buscar amplificar as sensações reais, em comparação com as imagens planas e sem profundidade de hoje, que também não permitem o contato entre as pessoas.
Melhora da experiência de trabalho
Há quem já sustente que o metaverso também auxiliará na redução de casos de burnout pela separação das atividades em casa e no trabalho. Isso porque o sistema permitiria uma demarcação mais clara e precisa do momento em que a pessoa sai do seu ambiente pessoal e ingressa no espaço profissional, ainda que virtual. Deixar de trabalhar em espaços da casa também destinados ao lazer e convívio com a família pode ajudar na retomada do distanciamento da vida pessoa e profissional – ou, pelo menos, ampliar essa sensação.
Apesar das grandes promessas para o nosso futuro, o metaverso está, ainda, em estágios iniciais de desenvolvimento. Será preciso aperfeiçoar a qualidade das imagens para que profissionais, especialmente os mais jovens e habituados ao uso de tecnologia, queiram passar a utilizar essa ferramenta de forma substancial. E esse período para sua evolução e aperfeiçoamento nos confere o tempo necessário para uma reflexão adequada sobre os impactos que essa realidade trará para o mercado de trabalho mundial.
O ideal seria antecipar o debate de questões importantes, como algumas das trazidas acima, para que a transição para essa tecnologia se dê maneira tranquila e natural, e não da noite para o dia como em março de 2020, com a pandemia da Covid 19. Isso permitirá não só o engajamento dos empregados, mas a melhora da sua experiência no trabalho, aumentando os atuais índices de retenção.
Fonte: em 01/10/2022 – https://epocanegocios.globo.com/colunas/noticia/2022/10/o-deslocamento-das-relacoes-de-trabalho-para-o-metaverso.html